Contaminação dolosa com HIV

01/09/2014 16:15

Contaminação dolosa com HIV

 
Foi noticiado nos últimos que um americano com HIV está sendo acusado de contaminar de propósito 24 parceiros. Morador de San Diego, Thomas Guerra, 29, está sendo acusado pela promotoria daquela cidade pelo delito de expor indivíduos a doença infecciosa, no caso HIV, de modo que poderá pegar em até seis meses de prisão e pagamento de multa de US$ 1.000. 
No caso há testemunhas que viram videos nos quais o increpado se gaba de ter infectado dezenas de pessoa. 
Essa questão é tormentosa, particularmente, é questão ainda insolúvel para o Direito Penal pátrio. Senão vejamos.
 Primeiro destaco que, sob a ótica do funcionalismo, pode-se dizer que a exposição é sobre um risco permitido? 
No caso negativo, patente a ocorrência do crime, no caso negativo, a questão deverá ser mais a fundo. 
Claro que, quando questiono se a conduta submete a vítima a risco permitido, não significa a concordância com a transmissão dolosa da doenças, mas se a sociedade como o todo, entende - ainda após receber quantidade excessiva, mas necessária de informações sobre as doenças venéreas - que é lícito e permitido o risco de ter relacionamento sexual sem a devida proteção. 
Ademais, e se essa sociedade, ainda que permita apenas o uso de relacionamento com proteção, entende que a exposição ao risco de contágio em decorrência de rompimento de um preservativo, por exemplo, é permitido ou não. 
Creio que em uma sociedade extremamente liberal, esse risco se torna, ainda que tacitamente, permitido. Mas, é assunto a se refletir muito ainda. 
Apenas para concluir o raciocínio, adotando o conceito de homem médio, não há em se falar em risco permitido, por óbvio, pois não há na esfera global uma sociedade "extremamente liberal" como mencionei. Assim, ainda que seja analisado o caso sob o enfoque do funcionalismo, é patente a ocorrência do crime.
Pratica, em tese, a conduta com a consequente contaminação, a pergunta que não quer calar é: por qual crime deve responder o agente?
Nesse ponto há algumas possibilidades.
O artigo 130 do CP prevê o delito de "perigo de contágio venéreo":
 
"Art. 130 - Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado:
 
        Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
 
        § 1º - Se é intenção do agente transmitir a moléstia:
 
        Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
 
        § 2º - Somente se procede mediante representação"


Todavia, segundo o Princípio da Legalidade, o qual exige a tipicidade do delito, me parece que o indigitado artigo não se aplica, eis que o HIV não é "moléstia venérea", podendo ser transmitida, por exemplo, por agulhas de tatuagem.
 

Destarte, quanto ao art. 130 do CP, comenta Guilherme de Souza Nucci (2006, p. 576) que:

"AIDS: a síndrome da imunodeficiência adquirida não é doença venérea, pois ela possui outras formas de transmissão que não são as vias sexuais. Assim, caso o portador do vírus – ainda considerando letal pela medicina – da AIDS mantenha relação sexual com alguém, disposto a transmitir-lhe o mal, poderá responder por tentativa de homicídio ou homicídio consumado, conforme o caso."


De outro lado, temos o artigo 13 do CP que regra:
 

   "Perigo de contágio de moléstia grave
        Art. 131 - Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio:
        Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa."
 
Para muitos, o artigo em tela, também não se aplica, pois o HIV não é "apenas" grave, pois ainda figura-se como moléstia letal.
 
Desse modo, o enquadramento nessa norma ainda não seria a solução mais adequada, apesar que entendo que o que é letal, é grave, não sendo verdade o inverso. 
 
Ainda ocorreu em SP, uma determinação do então Procurador Geral de Justiça, Rodrigo César Rebello Pinho, que o caso deveria ser enquadrado como lesão corporal grave por transmissão de enfermidade  incurável, nos termos do artigo 129, §2º, II do CP:
 
"Lesão corporal
        Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
        Pena - detenção, de três meses a um ano.
        Lesão corporal de natureza grave
        § 1º Se resulta:
        I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;
        II - perigo de vida;
        III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;
        IV - aceleração de parto:
        Pena - reclusão, de um a cinco anos.
        § 2° Se resulta:
        I - Incapacidade permanente para o trabalho;
        II - enfermidade incuravel;
        III perda ou inutilização do membro, sentido ou função;
        IV - deformidade permanente;
        V - aborto:
        Pena - reclusão, de dois a oito anos." 
 
 Ou seja, o agente responderia por pena variável entre 2 a 8 anos. 
 
 

Ainda há a possibilidade de enquadramento no artigo 121, na sua forma consumada ou tentada. Se da contaminação sobrevier a morte, nos parece que a solução não será pacífica para a definição de que ocorrera homicídio, pois ausente o "animus necandi", tratar-se-ia de lesão corporal seguida de morte, nos termos do artigo 129, §3º do CP, cuja pena prevista é de 4 a 12 anos re reclusão. 
 Agora se a morte não ocorrer, o que é cada vez mais provável com o avanço da medicina, teríamos, se presente o "animus necandi" tentativa de homicídio (artigos 121 cc com artigo 14 ambos do CP), se ausente a intenção de matar, nos parece que - pelo dolo da contaminação - lesão corporal de natureza grave pela contaminação de enfermidade incurável. 
Não sei, ao  certo, o que os doutrinadores e a jurisprudência irão decidir com o avanço da medicina, mas por hora, entendo que o caminho é este. 
Aurelio Mendes - @amon78 

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