O Direito Penal, cada dia mais premial

28/05/2014 13:21
Diariamente me lembro da paixão que nasceu pelo Direito Penal, sentimento esse que me afastou da Engenharia e que me fez ver a ciência de um modo diferente.
O mundo pode ser consertado? Há solução para os problemas de relação?
“Não” é a única resposta para ambas as perguntas, pois o mundo real jamais alcançará o mundo ideal, mesmo porque, cada um tem seu próprio conceito do que é ou não ideal.
Todavia, há situações que são intoleráveis, mormente diante o regramento típico e preciso do Direito Penal. Aliás, hoje tem-se que ter em mente um Direito Penal Constitucional, aquele que deve ser a “ultima ratio”, no qual Roxin desenvolveu sob o pálio de uma doutrina de vanguarda um maior liberalismo penal, no qual, a tipificação literal de uma conduta não deve ser levada à cabo.
Trata-se de evolução da ciência, com a qual, todos têm o direito de concordar ou não.
Porém, o liberalismo penal está chegando ao extremo e, como sempre afirmo e me lembro, ouvi de Sua Excelência Guilherme de Souza Nucci que a população poderá não concordar com a falta de pulso estatal e procurar, infelizmente, a “Justiça com as próprias mãos”. Para quem duvida, basta analisar fatos recentes.
Entretanto, é de saltar os olhos algumas decisões como a que fora proferida pelo Augusto TJRS, nos autos do processo 0009825-70.2014.8.21.7000, cuja ementa é a seguinte:
 
 
APELAÇÃO-CRIME. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. BUSCA DOMICILIAR ILEGAL. NULIDADE DA APREENSÃO. PROVA REMANESCENTE. INSUFICIÊNCIA.
I. Nulidade por violação de direito constitucional. Inexiste previsão legal de busca domiciliar mediante o mero e suposto consentimento do proprietário, já que a anuência, quando de fato há, é evidentemente dada sob constrangimento. Ingresso não autorizado judicialmente, quando as investigações poderiam facilmente ter conduzido à representação por mandado de busca e apreensão.
Pela clara violação ao artigo 5º, IX, da Constituição Federal, deverá ser decretada nula a apreensão dos objetos na residência do réu, remanescendo apenas a apreensão decorrente da busca pessoal e as provas dela derivadas.
II. Tráfico de Entorpecentes. Não há provas da atividade de traficância. A investigação procedida pela Polícia Civil conta apenas com fotografias em nada comprometedoras, pessoas não identificadas e imputações pouco detalhadas. Em juízo, nada consta além do depoimento dos policiais e da negativa do réu. Impositiva a absolvição.
RECURSO DEFENSIVO PROVIDO. ABSOLVIÇÃO.
RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PREJUDICADO. “
 
 
 
 
Na indigitada decisão o Tribunal “a quo” anulou a prova colhida na residência do condenado sob o entendimento de que o domicílio é “asilo inviolável do indivíduo”.
Porém, com a “devida venia” tal entendimento não encontra respaldo no Ordenamento Jurídico e nem na sistemática do Direito Penal Constitucional. Senão vejamos:
A “Lex Matter” regra no XI do artigo 5º o seguinte:
 
A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.”
 
 
Não se discute que a previsão constitucional é cláusula pétrea, de modo que não pode ser alterado. Certo também, é afirmar, sob um ponto de vista Humanista que o alcance da norma, por proteger Direitos Humanos, não pode ser alterada nem por nova Ordem Constitucional, sob pena de termos um retrocesso.
Mas, por ser norma de tamanha importância, deve ser interpretada visando o bem social.
A norma constitucional determina que a casa é asilo inviolável, mas traz exceções, as quais não devem serem postas em um “mesmo balaio”.
Assim, sabe-se que existem as seguintes exceções:
- Consentimento do morador;
- Flagrante delito ou desastre;
- Prestar socorro;
- Determinação judicial, durante o dia.
 
Como o objetivo desse texto é a análise do teor da decisão, não iremos nos alongar nas definições das exceções, nem mesmo sobre o que significa o termo “dia”.
As três primeiras situações não encontram limitação temporal, de modo que o ingresso à casa pode ocorrer durante o período noturno. Não haveria sentido afirmar, como não se afirma, que só pode ingressar na casa nessas hipóteses durante o dia.
Já pensaram no exemplo no qual, alguém precisa de socorro de terceiro, que fica impedido de entrar na casa, pois o horário não permite o ingresso?
Seria uma situação teratológica.
Ocorre que no caso em tela, a Augusta Turma entendeu que ainda com o consentimento do morador, a Coorte só poderia adentrar na residência com determinação judicial, consubstanciado em Mandado de Busca e Apreensão, ou seja, o Tribunal exigiu um misto entre a 1ª e 4ª exceção, o que não é permite, embora fosse muito mais favorável para o investigado, a situação é plenamente prejudicial para o bem social, que deve prevalecer sobre o individual.
Afirmar que permitir que a Coorte ingresse em determinada casa “apenas” com o consentimento do morador” seria esvaziar a previsão constitucional de que há necessidade de determinação judicial, é assertiva que não se sustenta.
Primeiro pelo fato de que, se o investigado não franqueasse a entrada da milícia pública em sua residência, nessa hipótese, haveria necessidade de mandado de busca e apreensão.
E, apenas a título de observação, há ainda aqueles que iriam justificar o ingresso na residência pela exceção do “flagrante delito” eis que o tipo penal é de ação múltipla e manter em casa, sob sua guarda, quantidade de entorpecente com o propósito de traficar também é conduta prevista na lei.
Segundo, pelo fato de que, seria entupir o Judiciário com pedidos de expedição de Mandados de Busca e Apreensão, tecnicamente desnecessários, diga-se de passagem, o que aumentaria e tornaria insuportável a burocracia da atuação policial.
Ademais, não se pode presumir a coação, coerção e abuso de autoridade por partes dos policiais que são agente públicos e, por esse motivo, possuem fé pública.
Ou seja, nos autos deveria haver comprovação de que essas situações (ao menos uma delas) de fato ocorrera para macular a prova colhida. O que não se verificou nos autos.
Desse modo, patente a legalidade da prova colhida. Não havendo qualquer mácula em sua produção.
Assim, pode-se afirmar que pessoas da pior espécie (traficantes previamente condenados que traficam drogas em ESCOLAS, quando deveriam estar cumprindo suas penas) foram beneficiadas por uma interpretação que, ao meu modo de ver, não se justifica tecnicamente.

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