Caso Ana Hickmann, há legítima defesa?

23/05/2016 10:22
Nesse final de semana ocorreu algo incrivelmente deplorável e reprovável, um "fã" da apresentadora Ana Hickmann conseguiu invadir o quarto onde estava a apresentadora, praticou os crimes de cárcere privada, grave ameaça, injúrias e tentativa de homicídio (embora tenha acertado a cunhada de Ana, me parece óbvio a ocorrência do que chamamos de "aberratio ictus", erro na execução). 
O fato é reprovável, ainda que praticado por um doente, não por um bandido. Mas, também é certo de que o agente primevo era alguém imputável, é o que veremos a seguir. 
Podemos afirmar que  a imputabilidade penal é a condição ou qualidade que possui o agente de suportar a aplicação da pena, e esse agente só sofrerá a pena se tinha, ao tempo da ação ou omissão, capacidade de compreensão de seus atos ou de determinar-se diante essa compreensão. Em outras palavras podemos afirmar que é a capacidade do agente de entender o caráter lícito do fato e de determinar-se diante esse entendimento. 
Bem a grosso modo, eis que não se trata do cerne da questão aqui posta, sabe-se que o país adota o sistema bio-psicológico para configurar a imputabilidade, ou seja, não basta o agente ter a causa biológica da inimputabilidade, deve, em razão dela, não entender a realidade ou de se determinar-se de acordo com sua compreensão da realidade. 
Assim, o sujeito que invadiu o quarto, embora seja portador de doenças psicológicas, tinha a total compreensão dos fatos, assim, não há como se afastar sua imputabilidade. 
Feito o aparte, voltemos ao caso, deixando claro que tenho TOTAL CONSCIÊNCIA  de que  no momento dos fatos, nem sempre atuamos de forma puramente racional,  afastando qualquer possibilidade de ação emotiva, eis que somos humanos e os sentimentos nos movem. Desse modo, não reprovo a conduta do cunhado da Ana Hickmann. Não há como. 
Porém, como profissional do Direito, creio que temos que seguir a letra fria da lei. E nesse caso, somente nesse caso, podemos ver que não há que se falar em legítima defesa, mas em execução. 
Explico. 
Regra o artigo 25 do Código Penal: 
 
 "Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem."
 
 
 Desse modo, temos que os requisitos da legítima defesa são "uso dos meios necessários", "de forma moderada", "injusta agressão, atual ou iminente" a direito "seu ou de outrem."
Houve uma injusta agressão a direito do cunhado ou de outrem? 
Sim, eis que o "fã" ingressou no quarto com armas em punho e ameaçou todos ali presentes, praticando, posteriormente, tentativa de homicídio. 
Todavia, não vejo o preenchimento dos outros requisitos. Senão vejamos. 
Em entrevista para a TV Record, o cunhado da Ana Hickmann afirmou, com todas as letras, que era maior e mais forte do que o agressor primevo. 
Sendo assim, que conseguira imobilizar o rapaz. 
 Afirmou que, assim que verificou que o agressor primevo iria atirar, o que fez, pulou para cima dele, conseguindo segurar a mão que empunhava a arma, logrando êxito em jogar o rapaz contra a parede e imobilizá-lo, momento no qual gritou para que sua esposa e a Ana saissem correndo. 
Após, afirma que ficou assim por um bom tempo, como ninguém chegava, que conseguiu passar uma rasteira no rapaz, caindo por cima, continuando a segurar a mão que empunhava a arma. 
Asseverou que ficou imobilizando o rapaz por mais que 1,5 minuto e que tentou convencê-lo a largar a arma. Como o rapaz tentava escapar, acabou por torcer o braço dele, para atirar duas vezes em sua cabeça. 
 
Diante essa narrativa, percebe-se que no momento dos disparos não havia mais injusta agressão atual ou iminente, eis que o rapaz estava IMOBILIZADO. Desse modo, poderia ter mantido o rapaz nessa situação até que a polícia chegasse.
Ademais, ainda não vejo o uso do meio moderado, pois os tiros poderiam ter sido dados em outros locais do corpo e não na cabeça, o que ocorreu. 
Além disso, foram dois tiros na cabeça, o que me parece que não era mais necessária a ação. 
Então, não há outra conclusão, a não ser entender que no caso ocorrera execução. 
O caso é tormentoso, sei disso. 
Novamente destaco que não incrimino o cunhado da Ana Hickmann, eis que ninguém gostaria de estar no lugar dele e, se estivesse, certamente faria o mesmo. 
Mas, na fria letra da lei, não houve legítima defesa, ficando para a Política Criminal resolver essa questão. 
 
Aurelio Mendes - @amon78

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